sexta-feira, 16 de junho de 2017

Serendipidade



Palavra pesada e de quase complicada decifração, por parecer emergir de caso serene e de piedade, mas não! Simplesmente se trata de serendipismo, que não é doença mas antes um anglicanismo que se refere a descobertas afortunadas feitas, aparentemente por acaso, às vezes a partir de erros. É a gente estar descontraidamente a fazer uma coisa e de repente, descobrir outra, sem menosprezar incidentes que às vezes trazem inspiração. E a história da ciência está cheia e recheia de casos desta estranha forma de criar a que se chama, precisamente serendipismo. E não é serendipista quem quer!



(Turim, Itália, 2012)


Arquimedes tomava banho, passou-lhe uma coisa pela cabeça e saiu nu à rua a gritar “Eureka”, descobrindo um dos princípios fundamentais da hidrostática, conhecido agora por “Princípio de Arquimedes”. E a descoberta surgiu quando se interrogava se a coroa do rei de Siracusa seria realmente de ouro.

Fleming também inventou a penicilina, a primeira droga capaz de curar infeções bacterianas, porque antes de ir de férias, em vez de deixar umas bactérias em incubadora, as deixou em bandejas. Quando voltou, uma delas estava quase desinfetada, depois, lá juntou dois-mais-dois e fez a descoberta que se sabe, de tão importante para a humanidade.

Tantos e tantos que ao longo da história, sem que por vezes a própria história os inscreva e reconheça, fizeram brotar descobertas afortunadas a partir de nadas. Acontecimentos fortuitos aproveitados habilmente, sublinhando avanços, sublimando génios subtilmente aproveitados.

Nos dias de hoje, já é considerada uma forma especial de criatividade, para fazer nascer e crescer ideias, conceitos abstratos e quase distraidamente chegar a luzes e projetos, sem grande estaleca até gritar “eureka”. Uma técnica de desenvolvimento do potencial criativo, bastas vezes aliando inteligência, perseverança e senso de observação.

Uma técnica, uma forma, um rasgo, um acaso, sem engasgo, a descobrir sem querer, quase sem saber ler e ao tentar fazer por um lado, sair por outro. Como achar sem querer, a tentar fazer de uma maneira, por uma certa carreira e olhando ao lado, encontrar novos caminhos ou ver logo ali a meta, sem mais demora. Agora imaginemos os que procurando fé, encontram caridade, ou os que pelo seu próprio pé, buscando soluções milagrosas para estados de alma, encontram na calma do caminho, turbulências tais e incidências banais, que se dão por satisfeitos, pelos feitos entretanto emergidos e despontados.

Como na história dos três príncipes de Serendip, enquanto suas altezas viajavam, faziam constantemente descobertas por acidente e sagacidade, de coisas que não procuravam. E assim nasceu a palavra de facto, por idos de mil, setecentos e cinquenta e quatro.

Casos felizes de descobertas inesperadas, quando se seguem por trilhas encruzilhadas, ou se desviam véus do que afinal existe e do que sempre persiste no esplendor da vida ao nosso alcance, por muito que não custe, por muito que canse.

Estranhos dias à janela, Mário Jorge Branquinho,(Sinapis Editores), 2015



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